santos fernando

O escritor português Santos Fernando nasceu em 1927 na Lapa, Lisboa.

Cursou a Escola Comercial e seguiu sendo um autodidacta na literatura. A sua obra é desde cedo caracterizada pela exploração do nonsense e do absurdo, com extrema elegância estilística e uma vincada ferocidade, tornada benigna pela cumplicidade com a fraqueza humana que sempre transparece nos seus textos.

Privou com figuras gradas da cultura portuguesa (por exemplo, Luiz Pacheco e Vítor Silva Tavares, seus próximos) e viu publicados, desde a juventude, textos em jornais nacionais e brasileiros, nomeadamente o português Diário Popular e, do outro lado do Atlântico, O Pasquim, com o qual colaborou regularmente a convite de Millôr Fernandes. Escreveu para rádio, televisão, teatro de revista - destaque-se a parceria regular com o seu grande amigo Ferro Rodrigues -, e publicou em vida treze livros de prosa, alguns dos quais foram também editados no Brasil. Muitos consideraram-no um dos maiores humoristas de língua portuguesa. Morreu em 1975, pouco depois da publicação de Sexo 20.

"Em curtos parágrafos, muitas das descrições, barrocas, dos ambientes naturais resolvem-se numa tonalidade onírica, de quadro ou de animação. “No céu, os refegos das nuvens descobriam seios virginalmente redondos, que despontavam sobre o dedo teutónico do palácio, rebolavam pelos socalcos dos vapores condensados, esfiapavam-se em leite, em ventres de espuma, em nádegas de algodão”. Sim, podiam a espaços ser versões literárias de animações de Terry Gilliam. A propósito de comparações: não é fácil encontrar familiares literários portugueses de Santos Fernando, espécie de Sterne da Lapa, sempre à procura do lúdico e do jocoso no texto, procurando muitas vezes, mais do que fazer avançar a acção, criar pequenos labirintos de gozo e sátira. Apetece emparelhá-lo com um Mário-Henrique Leiria ou com um José Sesinando. Ou então com um Alface."

(Nuno Costa Santos, Observador, Maio de 2017)

"Num livro de 1975 pode dizer-se que Santos Fernando continua a sorrir como no primeiro livro em 1957. Por isso pode escrever «A vida é uma carícia» ou «Há um santo para cada dia mas nem todos os dias são santos» e dissertar sobre o Mundo: «Procuras uma solução para o mundo? O quê, aqui? No próprio mundo? Chama-se a isso desenterrar palavras, sem glória.» Este livro é também uma viagem no tempo, no século 20 («Sexo 20») com uma memória da tropa em Tavira em 1948 (Luz, Fuzeta, Manta-Rota) onde havia um sargento arguto e um capitão que  fizera duas guerras a cavalo na secretária. O facto de ter «ressuscitado» o avô Lindolfo leva-o do sorriso («O morto não dorme, repousa») àquilo a que podemos chamar a profecia: «A menos que, cem anos depois de me enterrarem, o meu descendente, em cuja fronte haverá a localização dos planetas, se resolva por uma das alternativas: pôr sobre a lage as minhas obras ou reabilitar-me os ossos.» Tantos anos depois de 1975, a página 37 deste livro proclama uma razão: o escritor repudia «o epitáfio com que durante muitos anos o sepultaram em vida». O tempo veio ao encontro dessa profecia, este livro é a prova."

(José do Carmo Francisco, Mesa dos Extravagantes, Abril de 2017)

Artigo de Ferro Rodrigues no Diário Popular em 16 de Dezembro de 1976

«Santos Fernando morreu fez um ano. Ao que dizem, assassinado pelos sonhos; ao que dizem, por viver apressadamente – outra maneira de se existir mais. Sabe-se o que envolve de complacência resignada a homenagem póstuma a qualquer amigo: surgem, quase inevitavelmente, as pias palavras sem significado, sem direcção, sem sentido. Santos Fernando merece a atenção lúcida dos que ainda se aprestam a apreciar a boa prosa servida por uma boa dose de imaginação».

Artigo de Luiz Pacheco no Diário Popular em 16 de Dezembro de 1976

«Nem quero falar de mortos. De gente viva, pois. E é bem vivo que o Santos Fernando me aparece em Caldas da Rainha, no Verão de 65. Grande corpo, grande copo, bom garfo, grande Amigo. Uma presença aberta em riso no gozo vivido de estar. Uma gentileza e uma delicadeza de sentimentos que espantavam. Também, a solerte imediata percepção do grotesco e absurdo das coisas e das pessoas, mas sem acrimónia. Nós (eu, o Vítor Silva Tavares) chamávamos-lhe o Homem Gordo, ligando o físico bojudo à larga compreensão, à grandeza de alma (para empregar um termo cristão) de que ele escuberava, numa bonacheirice que se julga ser apanágio quanto mais bochechudos dos gordos (não é, às vezes pior) e em Santos Fernando era dádiva, era superioridade inata, era decerto a resultante do seu fundo conhecimento da sociedade errada que o rodeava, de que foi vítima como tantos mas não lhe roubou nunca a alegria de viver.»